A conversa estava marcada para a tarde de quarta-feira (30), mas o músico Samuel Rosa, 53, desmarcou alegando atraso no voo do Rio para SP, mal-estar, dores de cabeça e mais sintomas de virose. Pedindo desculpas, justificou: “É uma entrevista realmente importante. Preciso estar 100%”.
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Na manhã seguinte, ele soltou a bomba: após três décadas de estrada, a banda Skank vai, por ora, encerrar as atividades. “É uma parada sem previsão de volta”, afirma Samuel.
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Em 2020, o grupo vai rodar o Brasil com a turnê “30 Anos”, classificada pelo vocalista como uma “turnê de despedida”. “Ainda tenho pretensão de voltar a tocar com o Skank. Vislumbro isso lá na frente. Só que de uma outra forma, em outra circunstância, em algum projeto pontual.”
“Mas, nesse momento, para mim, a melhor forma de me surpreender e de surpreender as pessoas é fora do Skank”, explica Samuel. “Quero me testar em outro ambiente musical, com outros parceiros. Cara, são 30 anos tocando com as mesmas pessoas! Já fiz de tudo lá. Está na hora de brincar um pouco, sabe?”
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Partiu dele a decisão do desmanche. Quando questionado se houve consenso na banda, diz que “seria melhor perguntar” aos outros integrantes: “Mas se uma pessoa quer sair, o que acontece? A convivência é por opção, não por contrato”.
Uma nota enviada pelo grupo reforça o clima amistoso. “Não acreditamos que é preciso estar em baixa para dar uma parada, não precisa ser trágico, nem problemático”, afirma o baixista Lelo Zaneti. O tecladista Henrique Portugal complementa: “É um grande desafio pessoal para cada um. Pode ser extremamente saudável nos reinventarmos”.
E a repetição, para Samuel Rosa, “é morte”. “É arriscado viver a vida sem correr riscos. O Skank já não oferece mais riscos. É muito cômodo. Você repete muitas vezes com medo do novo, mas você não percebe que é nesse amparo que você está se sufocando, morrendo.”
“Nesse sentido, várias bandas já morreram, mas nem sabem disso e continuam existindo”, diz ele. “Muita gente acha que longevidade é sinônimo de sucesso, mas às vezes é simplesmente uma falta de assunto.”
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Indagado pelo repórter, que usou como exemplos os grupos Capital Inicial e Jota Quest —também longevos e acostumados a emplacar hits—, o músico diz o que recomendaria às duas bandas. “Eu poderia ser linchado pelo outros integrantes, mas se o Dinho [Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial] e o Rogério [Flausino, vocalista do Jota Quest] estivessem na minha frente, eu sugeriria também para eles um voo solitário.”
“São bandas que, assim como o Skank, já têm o jogo ganho. Você tem lá a sua turnezinha. Aí você faz um show que não é tão bom de bilheteria, mas o próximo dá sold out [ingressos esgotados], e assim você vai mantendo.”
“Eu já quis parar o Skank outras vezes”, ele confessa. “Sempre nos vi entre os três grupos com o maior trânsito em rádio, festivais, vendagem de discos. Não lembro de um ostracismo da banda.”
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“Mas sempre que eu começava a achar que tinha caído no esgotamento de vez, vinha um Planeta Atlântida [festival de música do Rio Grande do Sul] te chamando para o casting. Surgia um show com sold out em Belo Horizonte. Parece que se eu não falar ‘chega!’, o Skank não vai acabar nunca.”
Samuel planeja seguir carreira solo. Diz ter em mente um projeto para lançar em 2021. “É um caminho natural. Olha a carreira de vários artistas, e você vai ver que muitos começaram em grupos e viraram carreira solo. Até o Lulu Santos, por exemplo.”
Não significa, para ele, que as bandas estejam perdendo espaço na indústria musical. “Eu acho que está existindo uma pluralidade, sabe? Para todo mundo. Hoje, o Skank não é mais a bola da vez, mas a gente enche o Espaço das Américas.”
“O mundo não é como na nossa época, quando só tinha Flamengo, Coca-Cola, catolicismo e acabou. Hoje, há uma porrada de coisas ao mesmo tempo, e isso é salutar.”
“O que eu acho frustrante é que a forma de consumir música hoje é como comer com a mão de novo. É grosseira”,
Ele ilustra o que quer dizer com um exemplo de sua filha Ana, 17.
“Outro dia, estava no carro com ela e com as amigas. E quando ela está com as amigas no carro, eu me sinto o próprio motorista de Uber. Elas não falam comigo, e tudo que eu falo, ninguém responde”, diz, aos risos.
“Uma hora eu não aguentei: ‘Minha filha, você não escuta a música até o fim’. ‘Pai, ninguém escuta a música até o fim’. Tum, pula para a outra música. Aí o som começa, dá uma ondinha e tal, tum: já passa de novo. Que que é isso?”, abre os braços, estupefato.
Ele reforça, no entanto, os ganhos dos tempos atuais.
“Você escuta uma música nova, e a partir dela, já passa para o disco do cara e depois já passa para outras coisas semelhantes. Então a gama de informação hoje é muito maior. Nos últimos anos, a gente começou a espaçar mais os lançamentos porque não víamos muito sentido. O mercado mudou. A atenção das pessoas está muito mais difusa.”
O cenário atual contrasta com os primórdios do Skank, no início da década de 1990, em Belo Horizonte (MG). Após desistir oficialmente da profissão de psicólogo —ele se formou na UFMG, mas nunca buscou o diploma— e do sonho de ser jogador de futebol, Samuel e os outros três integrantes da banda começaram a pesquisar o dancehall, estilo musical semelhante ao reggae que surgia na Jamaica.
“Só que sem internet para estudar e comprar um disco desses, você tinha que ir até o Rio de Janeiro, numa loja de Copacabana chamada Modern Sound. Gastava todo o dinheiro que tinha, comprava um ou dois discos e voltava para BH.”
MÔNICA BERGAMO